Um homem armado
Do lado de fora da cerca, está um homem armado. Calções, t-shirt, chinelos, cigarro no canto da boca e uma AK-47 ao ombro agarrada com as duas mãos.
Estamos em Maio de 2006 e em Timor-Leste a crise política precipitou o país para o limiar da guerra civil. Díli é uma cidade evacuada, onde grupos rivais se confrontam e pegam fogo às casas uns dos outros. Eu e um grupo de amigos estamos há dois dias fechados em casa cercados de tiros e colunas de fumo.
O Lino, que vive connosco, diz-me que não há perigo, que o homem armado é uma pessoa do bairro a fazer segurança, mas no meu estado de animal encurralado, não saber se este homem é amigo ou inimigo irrita-me para lá do suportável.
Sem pensar, abro a porta e começo a andar em direção à cerca, devagar, mas decidido. Ao terceiro passo ele vê-me e endireita-se. Eu apercebo-me do que estou a fazer e tenho medo.
Há três anos que estou em Timor-Leste e desde que cheguei que a minha grande motivação para aqui viver é a esperança do povo timorense no futuro. Uma espécie de radiação coletiva, sentida todos os dias na rua, nas conversas e no trabalho. Agora, com o país à beira da guerra civil, é difícil encontrá-la.
Continuo a andar e olho para ele. Estou quase junto à cerca. De rosto fechado e mãos na espingarda ele parece indeciso.
Sorrio, aceno com a mão e digo-lhe em tétum “Bô tardi!”. Ele relaxa, sorri e responde “Bô tardi!”. Pergunto-lhe se é do bairro. Diz-me que sim, que mora para os lados da ribeira. Se está a fazer segurança. Que sim, que com mais uns homens estão a defender o bairro, que tem muito malandro por aí. Ofereço-lhe um cigarro e ficamos ali os dois junto à cerca a fumar.
Penso em compor rapidamente um apelo à paz, questioná-lo sobre a necessidade de andar armado. Se sabe usar a espingarda ou se os malandros que andam por aí também têm uma. Não me sai nada. Não é fácil meter conversa com um homem armado. Por fim, pergunto-lhe se vai ficar ali muito tempo. Diz-me que não, que tem de se juntar aos outros. Desejo-lhe boa tarde e bom trabalho. Ele despede-se e vamos cada um à sua vida.
Foi só depois de lhe virar as costas, enquanto caminhava lentamente na direção da porta, satisfeito por ter resolvido a ambiguidade daquela presença e questionando a sensatez de desejar bom trabalho a um homem armado, que as pernas me começaram a tremer como se fossem de gelatina.